No momento em que escrevo este artigo, o calendário assinala um mês e meio desde que terminei a minha última experiência profissional, no fim do ano de 2023. Uma experiência que pôs à prova – e aumentou – todos os meus conhecimentos nas áreas da Comunicação Estratégica e da Criatividade. Uma experiência que teve níveis proporcionais de, por um lado, um incrível crescimento da profissional em que me tornei e, por outro, um grande desgaste da pessoa que procurava dar o melhor de si em cada tarefa. Uma experiência que me permitiu conhecer, mais de perto, a realidade laboral da Comunicação.
Neste momento entre projetos, tenho procurado encontrar o tempo para parar e refletir. Refletir sobre o que quero a nível profissional, mas também refletir sobre os principais desafios encontrados neste mercado de trabalho. Partilho, em jeito de rescaldo, as três principais dificuldades vivenciadas e a minha breve visão crítica sobre cada uma.
OMG!: expectativa de omnisciência
Aprendemos, nas universidades, a valorização que os empregadores dão à capacidade de dominar várias áreas da Comunicação – desde o planeamento estratégico, passando pela concetualização criativa, culminando na criação e produção dos conteúdos. No entanto, nesses mesmos cursos, passamos por processos de especialização. Exigir de um(a) profissional a responsabilidade de assegurar todas as partes da criação acarreta, na minha perspetiva, dois problemas cruciais: por um lado, a possibilidade do esgotamento do(a) profissional de uma forma bastante mais rápida e, em alguns casos, irreversível; por outro, coloca-se em risco um dos princípios mais importantes da componente criativa da Comunicação: o trabalho em equipa.
Perdoem-me a comparação (eventualmente) abusiva, contudo pensemos no seguinte cenário: temos uma cirurgia de rotina agendada e conversamos com o cirurgião que procederá à intervenção. Neste caso, não fará sentido exigir que esse cirurgião seja responsável pela nossa preparação, pela administração da anestesia, pelo controlo dos sinais vitais e, ainda, pela própria intervenção cirúrgica, pois não? Dir-me-ão que o cirurgião salva vidas. Eu responderei, de forma respeitosa, que um bom projeto de comunicação também o pode fazer. E não sou a única.
Antes de me acusarem de ser irrealista, tenho consciência de que empresas mais pequenas podem não ter a capacidade de dispor de uma equipa multidisciplinar. Contudo, é importante começar a incutir nas chefias essa necessidade e, com o crescimento da empresa e das especificidades dos desafios, construir gradualmente a equipa adequada.
PS: o(a) leitor(a) mais atento(a) poderá encontrar uma incongruência entre o que escrevi e o conceito do meu portefólio – o facto de ser muitas pessoas numa só. É importante denotar que, efetivamente, eu desempenhei vários papéis na minha última experiência laboral. Se por um lado, tal cenário dotou-me de um conjunto de competências importantes, por outro, também me alertou para o perigo desta expectativa. É nesse sentido que escrevo.
Deadline (ênfase no ‘dead’)
Nestes (quase) quatro anos de gestão de equipas e de projetos, sou capaz de elencar as duas frases com as quais mais me deparei: a) “preciso disto para ontem!” e b) “só temos este tempo?”. Curiosamente, ambas as frases estão ligadas e eram proferidas na sequência temporal apresentada, intercaladas por uma outra igualmente comum: c) “sei que não vão gostar do que tenho para vos dizer…”. Ao que parece, não estou sozinha nesta experiência.
“Preciso disso para ontem!” – quem já não ouviu essa frase inúmeras vezes ao longo da carreira? Tudo é urgente, tudo é para agora. Transformamos nossas vidas em um grande pacote de macarrão instantâneo. Afinal, quem não for rápido o suficiente, perde espaço em um mercado veloz e altamente competitivo. Estamos vivendo na cultura do imediatismo – e sofrendo as consequências disso.”
Sofia Esteves, LinkedIN
Subscrevo inteiramente a ideia de Sofia Esteves, Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com, e acrescento que nunca concordei com o duplo sentido da expressão popular que diz que ‘os diamantes são feitos sob pressão’. Sim, as coisas podem ser feitas sob pressão. Mas sabem o que, invariavelmente, resta desta operação? A sensação de que algo melhor poderia ter sido feito. Para além da frustração do(a) profissional, o estabelecimento de deadlines desalinhadas com o projeto pode resultar na alimentação do perigoso pensamento inerente à frase d) “foi o que se pôde fazer.”, baixando as expectativas dos clientes e das próprias equipas.
Ora, este cenário contradiz outro princípio da atividade profissional da Comunicação e que se prende com a necessidade de liberdade – concetual e temporal – para criar. Há quem diga que a liberdade criativa é um oásis nesta área. Infelizmente, de acordo com a minha experiência, tendo a concordar. Contudo, apesar de não parecer, este texto inscreve-se num website que pretende ser um catalisador à minha permanência neste mundo. Assim, ainda tenho esperança e vontade para melhorar.
Por isso, acredito que seja importante que os(as) profissionais de comunicação ‘eduquem’ os clientes, mostrando-lhes que um diagnóstico verdadeiramente estratégico precisa de tempo para maturar as ideias; ou que a realização de um vídeo é mais do que apontar uma máquina e gravar; ou, ainda, que a gestão de conteúdos nas redes sociais obedece a uma lógica previamente ponderada.
Isto é gozar com quem trabalha
Este é um ponto que se relaciona intimamente com os anteriores. Costumo dizer que a área profissional da Comunicação sofre de um sério problema de Imagem e Relações Públicas. Apesar de evoluções importantes, ainda persiste a ideia de que qualquer pessoa pode trabalhar em Comunicação, mesmo sem formação – “basta fazer várias publicações no Instagram para se ser um bom gestor de redes sociais, não é?”; “basta perceber de computadores para fazer um bom logótipo, não é?”; “basta ter um bom telemóvel para fazer um bom vídeo, não é?”
Tanto eu como o(a) leitora(a) sabemos que a resposta é, claramente, não. No entanto, esta ideia continua a prevalecer nos vários círculos em que me movimento.
Recentemente, tivemos um exemplo que espelha, na perfeição, este fenómeno. Recordam-se da polémica em torno do novo logótipo da República Portuguesa? Nas redes sociais, nas conversas entre amigos, nas discussões familiares…quantas vezes ouviram alguma variação do pensamento ‘qualquer pessoa faria algo do género no paint!’?
Independentemente da qualidade da proposta (ou da adequação do valor monetário da mesma), a minha experiência enquanto gestora de projetos de Branding com Designers de Comunicação leva-me a considerar muito injusta a redução do trabalho realizado à decisão de ‘fazer dois retângulos e uma bola’.
Ignorar o trabalho estratégico que conduz à criação da imagem é, na sua essência, gozar com quem trabalha.
Em suma…
Defendo que este trabalho de Relações Públicas em prol da Comunicação deve começar connosco – os(as) profissionais. Como? Apostando em projetos consistentes e consequentes, demonstrando todas as potencialidades de uma área que, dadas as condições adequadas, é capaz de resolver problemas, suscitar desejos esquecidos e mudar comportamentos. Talvez desta forma seja possível contribuir para a compreensão generalizada de que (1) não somos seres na posse de todos os conhecimentos; (2) não podemos estar constantemente a ‘matar-nos’ por um prazo; e (3) trabalhamos – e muito – para alcançar os nossos objetivos.
Estarei a ser sonhadora? Prefiro o termo visionária, pois continuo a tentar ver a realidade como ela poderá ser e não como ela, infelizmente, é.
Apesar desta enumeração, devo dizer que tenho perfeita consciência sobre o meu lugar de privilégio e de alguma inexperiência para abordar este assunto. Mas quis fazê-lo na mesma. A razão? A mesma pela qual criei este portefólio: porque quero continuar a fazer parte do mundo da Comunicação e construir projetos que, não obstante tudo isto, consigam fazer prevalecer a essência de um bom comunicador: a capacidade de tornar algo comum, através de um planeamento estratégico balizado por objetivos específicos, alcançados com o uso de meios adequados.
Se há algo transversal aos desafios elencados neste artigo – e, quero acreditar, à sua resolução – é a convicção de que as pessoas precisam de pessoas. Pode não concordar com tudo o que escrevi, mas se concordar com esta última premissa e acreditar que eu possa ser a pessoa para o seu projeto, vamos conversar!